Moçambique on-line

mediaFAX de 9 de Dezembro 2002

1. Nyimpine vaiado no Mercado Central
2. Cândida ameaçada
3. Um ódio visceral
4. O caso da Budget Rent-a-Car
5. Editorial: DEPENDE
6. Contradições e acareações


Nyimpine vaiado no Mercado Central
O filho do PR vai viver, nos próximos anos, sob o terrível estigma da condenação pública

(Maputo) Uma multidão apupou, sábado de manhã, o filho do Presidente Chissano, Nyimpine, declarante no processo em julgamento relacionado com o assassinato do jornalista Carlos Cardoso. O Mercado Central, localizado na baixa da cidade de Maputo, teve duas visitas especiais naquela manhã. A primeira foi a de Cândida Cossa, que hoje deverá continuar a depor no mesmo julgamento. Cossa chegou ao local por volta das 10h30, acompanhada de uma amiga. Fez compras, cumprimentou conhecidos, permanecendo ali cerca de meia hora, alvo dos olhares dos mirones. A sua passagem não ficou despercebida.

Vinte minutos depois de Cândida Cossa deixar o Mercado, o filho do PR estacionava a sua luxuosa viatura defronte dos talhos com fachada para a Filipe Samuel Magaia. Nyimpine vinha acompanhado da sua esposa, a actriz de teatro Cândida Bila, com quem tem uma filha de 1 ano e quatro meses. Ao tentar descer da viatura, um grupo de "molwenes" acercou-se deles quando se apercebeu da identidade de Nyimpine. Os rapazes começaram a lançar gritos e apupos para o sócio da Expresso Tours. Diziam: "É o gajo, é o gajo!!".

Nyimpine preferiu permanecer na viatura. Pô-la de seguida em marcha e deu uma volta nas imediações. Cinco minutos mais tarde, ele regressava, estacionando a viatura, mas agora junto da fachada principal do Mercado. Desceu com Cândida e entraram no Mercado.

Mas a estadia foi de pouca dura. Novamente, um grupo de rapazes acercou-se do casal e ampliou os apupos. À medida que Nyimpine, trajado de camisete preta e óculos de sol, percorria o corredor principal do Mercado, multiplicavam-se os olhares à sua volta. Já não eram só os "meninos da rua". Também as vendedeiras e alguns clientes de circunstância juntaram-se ao coro de vaias. O casal viu-se rodeado de pessoas. Por entre a barulheira, as palavras mais comuns eram: "é ele, é o gajo". Alguns rapazes falavam em changane.

Testemunhas dos factos registam que dos comportamentos das pessoas conseguiu-se notar duas coisas: o puro apupo e a mera curiosidade". Curiosidade para ver in loco o "empresário amnésico", o filho do PR que foi mencionado por três réus do processo em julgamento como sendo um dos mandantes do assassinato de Carlos Cardoso.

O comportamento da vendedeiras pareceu espontâneo, de acordo com o relato que nos foi transmitido. Isso pode ter uma explicação profunda: Cardoso, nas suas actividades como deputados municipal, era uma espécie cicerone da sobrevivência daquelas senhoras, dado que ele se opôs com veemência às intenções de se entregar o Mercado a interesses sul africanos.

Algumas testemunhas referem que Nyimpine ficou "visivelmente embaixo" com a cena. "Ele esteve de rastos naquele dia". Também contaram-nos que Cândida Bila parecia envergonhada, embora tentasse debitar alguma simpatia para amainar a cacofonia à sua volta. O casal ainda tentou resistir mas foram uns cinco terríveis minutos. "Só conseguiram comprar uma hortaliça", contou-nos um mirone. O caso deverá ser motivo de reflexão no seio da família de Nyimpine ou mesmo no clã Chissano, dado que esta parece ter sido a primeira reacção hostil do público a um membro desse clã tendo por base o caso do assassinato do jornalista CC.

O facto de o seu nome ter sido mencionado como mandante não chega, no entanto, para que ele seja judicialmente condenado. Nem os cheques apresentados por Nini provam o seu envolvimento. Como declarante, Nyimpine foi ouvido para ajudar a clarificar o caso, na perspectiva de se encontrar elementos que sirvam para a responsabilização criminal - ou absolvição - dos réus que estão no banco, incluindo Anibalzinho.

Por outro lado, Nyimpine vai ser ouvido na qualidade de arguido num processo que leva o nº 188/2002. Mas, se judicialmente ele ainda goza da presunção de inocência, na opinião pública ele já foi condenado. O episódio de sábado é um indicador claro disso, opinou um analista ao mediaFAX. Por mais que não venham a ser encontradas provas que consubstanciem o seu envolvimento no crime, Nyimpine vai viver nos próximos anos sob o terrível estigma da condenação pública.
(Marcelo Mosse)

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Cândida ameaçada
Quem a quer calar?

(Maputo) Depois do seu depoimento arrasador na passada sexta-feira, Cândida Cossa parece ter a chave do julgamento do assassinato de Carlos Cardoso. Este é o entendimento de muitos observadores. Pelo menos, o seu depoimento de hoje contribuirá muito para a clarificação de uma coisa ainda nebulosa: os cheques apresentados por Nini Satar ao Tribunal como prova da sua inocência; por outras palavras, como prova de que ele apenas fez os pagamentos a Anibalzinho. Talvez por isso é que as mensagens por SMS que Cândida diz estar a receber no seu telefone têm o seguinte teor: "Não fale sobre os cheques!". Num caso onde a manipulação é dominante, resta saber se as mensagens são genuínas, isto é, se representam um interesse genuíno. Se assim for, Cândida pode ajudar hoje a clarificar essas partes nebulosas do caso, permitindo que o Tribunal ajuíze melhor sobre a identidade dos autores materiais.

As mensagens começaram a cair como chuva no seu celular logo depois que ela depôs na sexta-feira. O seu depoimento não chegou ao fim porque já se fazia tarde. O próprio juiz não esgotou as questões que poderia colocá-la. Mas o pouco que ela falou revelou saber muito e que ainda tem muito para contar. No sábado à tarde, Cândida foi visitada por um homem de nome Travassos, proprietário de um bar nas barracas do Museu, onde vende cerveja e toca música. Travassos conseguiu alcançar a porta do apartamento de Cândida, dizendo-lhe que conhecia alguém que lhe podia ajudar (não terá especificado que tipo de ajuda). A visada pediu-lhe que esperasse um pouco, aproveitando esse tempo para avisar a Polícia, que se fez ao local e deteve o homem mais um seu amigo.

Entrevistado pela TVM, Travassos apenas disse que abordara Cândida para dar-lhe apoio moral. O Comandante Geral da Polícia, Miguel dos Santos, afirmou que a corporação encontrou nas algibeiras de Travassos uns "documentos sobre o caso Cardoso", não especificando a natureza e teor desses documentos. Travassos foi visto na sala de julgamento na passada quinta-feira.
(da redacção)

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Um ódio visceral

(Maputo) Na sua tentativa de compreender o complexo da repartição do poder no Partido Frelimo e o processo de acumulação das famílias do poder, Carlos Cardoso não se coibiu de aprofundar o seu conhecimento, e do público, sobre os interesses empresariais da família presidencial. Enquanto vivo, CC escreveu e editou vários textos com esse perfil, resultado de aturadas investigações. Entre eles, constam textos sobre os apetites de Marcelina Chissano relativamente ao parque imobiliário do Estado. Marcelina, reportou o Metical, chegou a dirigir uma operação de despejo, de legalidade duvidosa. Estes apetites de enriquecimento levaram CC a tentar uma nova caracterização de Marcelina e marido:

"Duas percepções populares acompanharam Marcelina Chissano ao longo dos seus últimos 22/23 anos. Nos primeiros anos da Independência, era celebrada em certos círculos de Maputo como uma pessoa modesta, uma enfermeira trabalhadora e anónima, comprovação da austeridade manifestada pelo marido durante o período de transição em 1974/1975.

Com a subida de Chissano à presidência da Republica essa imagem de Marcelina começou a alterar-se radicalmente. Começaram a surgir os rumores sobre expropriações de terras por ela. A imagem popular que hoje rodeia, a ela e ao marido, é a de que ambos estão a enriquecer rapidamente, muito a semelhança de tantas primeiras famílias do continente". (in Metical, nº 84)

Outro alvo do textos escritos ou editados por CC foram as terras de Malehice, terra natal de Chissano. No lead de um artigo de investigação intitulado "Parece Marínguè", edição nº 168, CC escreveu:

Um ambiente de temor está a crescer em Malehice, terra natal de Joaquim Chissano. Faz lembrar o que já foi reportado sobre Marínguè. O PR está, elegadamente, a ficar com muita terra que não lhe pertence.

Outros textos reportavam-se a alegados interesses de Chissano na banca (houve sempre informações de que Chissano detinha acções no Banco Austral através da Invester e de Octávio Muthemba, dado que foi ele quem trouxe a Moçambique os "investidores" malaios).

Também os interesses de Nyimpine Chissano e os desacatos por ele protagnizados na praça pública, destacando-se o episódio da esquadra policial, tinham espaço nobre no Metical. Talvez por isso Nyimpine tenha dito que CC "afectou" o clã Chissano, incluindo uma criança que ainda não era nascida quando Cardoso foi assassinado.

A reacção do clã, contou Nyimpine, foi "silenciosa", não tendo havido iniciativa, em mais de dez artigos publicados, para o exercício do direito de resposta, nem para acção judicial, mas aqueles textos eram profundamente reveladores de um percurso cada vez mais sinuoso da familia presidencial no seu processo de acumulação.
(M.M.)

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O caso da Budget Rent-a-Car

(Maputo) De acordo com Cândida Cossa, Nyimpine Chissano teve um caso problemático com a "Budget Rent-a-Car", uma companhia sul africana que processara a Expresso Tours por esta não ter pago em tempo uma dívida. De acordo com Cossa em declarações ao Tribunal na passada sexta-feira, Nyimpine alugara viaturas na Budget para pô-las ao serviço de uma conferência internacional em Maputo, mas não conseguiu pagar a conta a tempo.

"A Budget queria que Nyimpine pagasse urgentemente a soma de 250.000 rands", contou ela, acrescentando que o caso já estava na Polícia, que Nyimpine tinha de ir depor mas estava sobretudo preocupado com a possibilidade de o assunto extravasar para a imprensa sul africana e, por extensão, para a imprensa moçambicana. Foi por isso que ele pediu a intervenção de Cândida Cossa, que telefonou para um amigo da África do Sul com quem acordou o empréstimo de 250 mil randes após entregar uma viatura como garantia. Para resolver completamente a "maka", Cândida ainda emprestou 30 mil USD à Expresso Tours.
(da redacção)

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Editorial
DEPENDE

Vista do ponto de vista político e concretamente no contexto eleitoral que se avizinha, toda a lama de podridão que resulta do julgamento do assassinato de Carlos Cardoso pode constituir um sério revés para o Partido Frelimo. A podridão que emerge pode ser interpretada como fruto de uma governação promíscua e de uma liderança completamente ineficaz, permissiva às teias do crime organizado e promotora dessa cultura de impunidade que vigorou no nosso país nos últimos anos, contra a qual apenas meia dúzia de pessoas como o jornalista Carlos Cardoso e o advogado Albano Silva lutavam com afinco.

O julgamento, revelando um submundo lesa-Estado e a prova, já estabelecida, de que o filho do PR era um dos protagonistas desse mundo paralelo que se alimenta de transacções não tributadas, pode empurrar uma fatia considerável do eleitorado urbano para uma atitude de penalização ao partido Frelimo. Essa penalização, que não representaria necessariamente a mobilidade do voto urbano da Frelimo para a Renamo, mas a opção para a abstenção, colocaria o partido na corda-bamba.

Em círculos de opinião afectos à Renamo, as coisas estão a ser vistas nesta perspectiva, havendo já um esfregar de mãos assente na ideia de que a Frelimo está a cair de pobre. Quanto a nós, o desfecho político deste processo vai depender da forma como os actores estrategizarem o seu discurso. Nos últimos meses, a Frelimo de Guebuza parece ter percebido que o caso pode até ter vantagens positivas, lançando-se para a opinião pública a ideia de que a podridão que emerge resulta de uma opção correctiva traçada pelo próprio partido. Este discurso permite que o povo renove as suas expectativas quanto a possibilidade de um Estado onde o crime organizado não tem espaço e onde a justiça é para ser feita, tem de ser feita seja a quem for. Por isso, politicamente falando, depende!

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Contradições e acareações

(Maputo) Houve contradições na última sessão do julgamento do "Caso Cardoso", nos depoimentos dos declarantes Nyimpine Chissano e Apolinário Pateguana quanto às frequências com que o primeiro manteve contactos físicos com Nini. De acordo com Nyimpine, ele teve um único contacto com Nini, quando em 99 acompanhou Cândida Cossa até a Unicâmbios alegadamente para negociar o rescalonamento da dívida que Cossa tinha para com Nini.

Mas Pateguana revelou ter contactado Nini por duas vezes, numa delas, na companhia de Nyimpine, N´naite e Cândida Cossa.

Por outro lado, na acareação entre Nyimpine e Nini, embora o primeiro defendesse a existência de um único encontro entre ambos, Nini falava em vários encontros que foram acontecendo na Unicâmbios, na Expresso Tours e no Hotel Polana. Nini referiu que os encontros serviam para o acerto de negócios ligados à créditos e transacções de capitais, para além do negócio dos cheques entregues ao Tribunal. A sessão de sexta-feira foi palco de acareações entre os réus e os declarantes, onde estes últimos limitaram-se a negar tudo quanto os primeiros disseram a seu respeito.

Pateguana vs Nini
Pateguana disse ao tribunal que apenas teve contacto, físico, com Nini, na Unicâmbios, duas vezes. O primeiro (Maio de 99) para mediar o conflito que opunha Nini à Cândida Cossa devido a uma dívida contraída por esta última a Nini. Disse ter lá ido na companhia de Nyimpine, N´naite Chissano e Cândida Cossa. O segundo (Agosto de 2000), refere ter acontecido quando iam tentar reaver, juntamente com Cândida Cossa e N´naite Chissano, os cheques que estavam na posse de Nini, alegadamente os mesmos que este apresentou ao Tribunal como sendo os que estavam no esquema do crime. De acordo com Pateguana, tais cheques foram passados para Cândida Cossa para garantirem um empréstimo que esta concedeu à Expresso Tours.
Enquanto isso, Nini refere que os encontros atrás referidos nunca foram para tratar da devolução dos cheques em causa, mas sim para outros negócios que tinha com a Expresso Tours.
Nini fala de três encontros. Um entre ele com Pateguana, Nyimpine e N´naite. O segundo, apenas entre ele e Pateguana. O último, entre ele com Nyimpine e António Maló (DG da Espresso Tour).

Nyimpine vs Nini
Nyimpine negou que alguma vez tenha feito negócios, de qualquer espécie, com Nini.
Por seu turno, Nini afirma serem vários os negócios que ambos têm feito, alguns deles chegaram a ser acertados na Expresso Tour. Aliás, refere ter sido lá onde foi, pessoalmente, buscar os cheques (estão com o tribunal) entregues pela mão de Nyimpine.

Nyimpine vs Rachid
Carlitos Rachid reconheceu Nyimpine como a pessoa que viu a entregar um saco contendo 100 milhões de meticais a Anibalzinho, como sinal para a execução de Carlos Cardoso. Desse dinheiro, Rachid afirma ter recebido 20 milhões de meticais. Nyimpine simplesmente negou tudo isso e referiu não conhecer Rachid e muito menos Anibalzinho.
(J.C.)

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Moçambique on-line - 2002

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