Moçambique on-line


metical de 15 de Novembro 2000


1.  Igrejas apelam à calma

(Maputo) A igreja católica de Nampula ainda não tem uma versão própria sobre os acontecimentos da 5ª-feira última que culminaram com a morte de pelo menos 10 pessoas na província, 15 feridos e 67 detidos.

Na impossibilidade de ouvirmos o arcebispo D. Manuel Vieira Pinto, um funcionário da arquidiocese disse-nos ontem que “ficámos escandalizados com os acontecimentos”. A recomendação deixada é de que “se faça a Paz. Foi para isso que foram a Roma”.

Por sua vez, o padre Valdemar, pároco da Catedral de Nampula, disse-nos que oficialmente a igreja não tem nenhuma versão porque acompanhou os acontecimentos através da comunicação social. “Mas o que eu vi no caso da cidade de Nampula é que houve muita precipitação por parte dos manifestantes. Pedimos calma e aconselhamos a população para não se deixar levar pelas emoções”.

Também ontem, um porta-voz do Conselho de Álimos de Moçambique disse que “a população tem de ter calma e não provocar distúrbios”.

Numa mensagem emitida a 31 do mês passado, o Sheik Aminudin Muhammad, Presidente do Conselho de Álimos, apelava “em particular, aos militares, polícias e forças militarizadas para que não subscrevam os propósitos belicistas dos ex-beligerantes”.

Numa outra passagem, este Conselho comenta que, como os partidos políticos estão a cumprir mal o seu papel de consolidação da paz e democracia, cabe à sociedade civil “assegurar o não retorno à guerra” que “tem sido a verdadeira aspiração popular”. (A.M. e redacção)
 



2.  A reacção de Raúl Domingos

(Maputo) “Lamento os incidentes”, disse Raúl Domingos, naquela que foi a sua primeira reacção aos acontecimentos trágicos de quinta-feira.

Falando ontem ao “mt”, o ex-chefe da bancada parlamentar da Renamo, recentemente expulso do partido num processo controverso, disse que “depois de oito anos de paz”, acontecimentos como os do dia 9 podem “ser o rastilho para uma explosão no país”.

Acrescentou que “a cultura de paz e democracia” destes oito anos, “devia ser suficiente para, de parte a parte, se respeitarem vidas humanas”. E especificou: “Da parte da Renamo, não se exporem vidas como carne para canhão” e “da parte da Frelimo não usar a força que detem para matar”.

Raúl Domingos apela à sociedade civil para “pressionar os políticos”. Infelizmente, disse ele, a nossa sociedade civil ainda é pouco expressiva. Por exemplo, durante os acontecimentos de Aiube, “a LDH foi a organização que deu o relato mais independente” mas infelizmente foi caso único. “Mais nenhuma outra organização independente fez esse trabalho”.

Indagado sobre se concorda com a proposta do reverendo Dinis Sengulane de que seja formada uma comissão de inquérito independente para examinar os acontecimentos do dia 9, Domingos respondeu: “Perfeitamente”. E acrescentou: “Se há uma proposta de comissão independente, depende da sua composição”. Ela deve “garantir credibilidade e transparência relativamente às forças políticas”.

A primeira leitura das informações que lhe chegaram indica-lhe que “muitos dos manifestantes foram atacados pela Polícia antes mesmo de poderem iniciar as manifestações”. Quanto a Montepuez, Domingos diz que “entre os manifestantes estavam antigos guerrilheiros da Renamo”, mas culpa a Polícia de ter atacado primeiro. Só depois disso é que os manifestantes “dispersaram” e “pela rectaguarda arrancaram as armas à Polícia e foi com essas mesmas armas que ripostaram”, tendo-as entregue às autoridades no fim. “Mas é preciso ir ao terreno” para se saber a verdade, frisou.

A propósito dos acontecimentos em Montepuez, perguntámos-lhe se, a seu ver, há diferentes alas da Renamo a encarar de modo diferente as manifestações.

“Não posso afirmar com precisão. Sinto que há um sentimento de que qualquer coisa não está bem, e que esse sentimento tenha ditado a decisão do Presidente da Renamo de interromper as manifestações até que haja uma posição de consenso quanto a continuá-las”.

Ontem, por consenso, as bancadas da Frelimo e da Renamo decidiram estabelecer uma comissão de inquérito parlamentar para investigar os acontecimentos. A composição e outros aspectos da comissão vão ser discutidos dia 21. (C.C.)



3.  Polícia começou logo a disparar

(Maputo) Na cidade de Nampula as manifestações de quinta-feira foram caracterizadas por isto: A Polícia entrou logo a disparar. Quem o diz é a Liga dos Direitos Humanos.

O relatório da delegação regional norte da LDH afirma que “os manifestantes estavam concentrados junto ao estádio 25 de Setembro”, preparando uma marcha pela cidade. Eis que aparece “um contingente policial”. Os polícias, “sem mais outras formalidades, iniciaram com os disparos numa tentativa de dispersar os presentes e amedrontar possíveis elementos que pudessem acorrer para engrossar o grupo”.

A LDH diz que os disparos foram indiscriminados e que quando os manifestantes “já estavam a dispersar”, “um tiro atinge mortalmente uma pessoa”.

“Durante a dispersão foram efectuadas detenções e, à medida que isso ia acontecendo, os detidos iam sendo severamente espancados com as coronhas das armas”. A Liga acrescenta que “segundo uma informação de um polícia que nos pediu anonimato, no recinto da Polícia os mesmos detidos foram severamente torturados e chamboqueados a mando dos dirigentes máximos do comando da PRM”. Nos primeiros dois dias da sua detenção, estes detidos “foram impedidos de receber comida e material de higiene”; isto só foi autorizado a partir do dia 11.

Em Nacala, diz a LDH, praticamente não chegou a haver manifestação pois as pessoas que tencionavam manifestar-se na cidade alta “foram cercados por uma cintura intransponível da PRM”, junto à sede da Renamo. “Um ou outro” conseguiu furar o cordão policial, indo juntar-se a “um outro grupo na cidade baixa”. Foi nesta tentativa de furar que a PRM “disparou vários tiros, tendo um deles atingido uma senhora na perna esquerda”.

Em Angoche, os manifestantes “concentraram-se no bairro de Inguri” mas “mal iniciaram a marcha para a zona da cidade de cimento, a PRM pôs-se a disparar, o que levou à dispersão dos manifestantes”.

A LDH assinala que, “dias antes das manifestações” a PRM tinha destacado “muitos efectivos para os distritos da costa”, dirigidos por “altos dirigentes”.

Das 10 mortes registadas na província, 6 ocorreram no distrito de Mogovolas e 2 no distrito de Moma. (da redacção)
 



9.  A opinião de: Carlos Cardoso

AS DUAS METADES DA HISTÓRIA

As imagens e leitura dos acontecimentos de Montepuez apresentadas pela TVM na segunda-feira à noite são difíceis de refutar. A grande responsabilidade da Renamo na tragédia de Montepuez está a ser confirmada por fontes independentes.

Mas essa parece ser apenas metade da história. A TVM tem a obrigação de investigar se houve uma segunda metade: A alegada rapidez com que, nalguns pontos, a Polícia recorreu à repressão de manifestações que, tudo indicava, seriam pacíficas.

Um orgão de informação poderoso como a TVM tem essa obrigação, não apenas por razões éticas e profissionais, mas também porque assim evitará fornecer à ala belicista da Renamo o pretexto de ostracisação global de que ela precisa para arregimentar as alas que não querem aquilo que aconteceu em Montepuez.

As bases e dirigentes da Renamo que têm muito a perder com a destruição da situação de paz dos últimos oito anos não querem a loucura que a ala de Dhlakama parece disposta a desencadear, mas a repressão policial absolutamente desnecessária ocorrida nalguns locais contribui para que essas bases e dirigentes se sintam no dever de apoiar o desvario de Dhlakama. Hoje, mais do que nunca, a imprensa joga um papel fulcral de força de contenção, mas só a verdade, caso a caso, pode abrir-lhe as portas dessa legitimidade.

Quanto ao Estado, nunca como agora foi tão importante a visão de longo prazo assente na estratégia de unidade nacional iniciada, timidamente, na segunda metade da década de 50. Traduzido para os dias difíceis de hoje, isto significa que cumpre ao Estado fazer um grande esforço para corrigir os exageros da Polícia, mesmo que o país tenha que adoptar a atitute cristã de dar a outra face a mais uma ou duas manifestações à Dhlakama. Só isso dará aos membros e eleitores da Renamo a certeza de que este Estado, independentemente do governo do dia, tem o potencial de respeitar plenamente os seus direitos e anseios de cidadania.

Uma coisa mais importa dizer: Se o governo quer, para a sua versão, uma legitimidade que hoje, sozinho, não tem, terá que se esforçar para que as próximas manifestações, se as houver, sejam testemunhadas por entidades independentes.
 



10.  A opinião de: Arnaldo Abílio

FALEM

Depois do que vimos na passada quinta-feira, e para quem tenha sentido e vivido os horríveis momentos da década de 80, creio que só pode pedir uma coisa: Um encontro entre Chissano e Dhlakama, mesmo que para alguém isso signifique humilhação.
 

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