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7 de Abril 1999

EDITORIAL:
Mulheres e políticas no advento do milénio

"O país está saudável e estável, a paz é real, a democracia e a economia desenvolvem-se", assegura-nos o presidente Joaquim Chissano no seu discurso sobre "O Estado da Nação", proferido a 29 de Março na Assembleia da República (publicado na íntegra no Suplemento Especial do Savana de 2/4/99). E promete em seguida: "entraremos no novo milénio acompanhando e vivendo os sonhos da humanidade". Como mulher, imediatamente me interessei em saber qual a parte que nos cabe neste sonho colectivo.

Este discurso fala das mulheres por várias vezes, sempre que se enumeram outros "grupos de interesse" na sociedade, e segundo a ordem estabelecida, as mulheres aparecem depois dos jovens:

  • As organizações de mulheres e outras, são "chamadas a contribuir activamente para o fortalecimento da unidade nacional, para que a paz de que desfrutamos seja consolidada e o desenvolvimento acelerado".
  • "Destaca-se o papel crescente das instituições emanadas da sociedade civil", entre as quais, depois das da juventude, aparece o "género".
  • Refere a necessidade de "dar assistência aos grupos populacionais mais vulneráveis e carentes, entre crianças, mulheres, deficientes...".

Destaca-se ainda que foi dada uma "atenção especial à mulher", para aumentar a sua "participação em todas as esferas da sociedade e, progressivamente, os seus activos económicos e sociais". Informa-se que o governo aprovou o Plano de Acção Pós-Beijing e constituiu um Grupo Operativo para o avanço da Mulher, "para garantir a promoção, dignificação e respeito cada vez maiores por ela e pelos seus direitos".

Este preâmbulo, um pouco longo, pareceu-me necessário para mostrar a visão que o poder apresenta das suas intenções e medidas para mudar a situação das mulheres no país. O que não se diz directamente é qual é essa situação. Só há indícios: as mulheres constituem um grupo vulnerável, devem participar pouco na sociedade por que se fala em aumentar essa mesma participação, etc., etc. Talvez em nome dessa tão celebrada unidade nacional, se evite cuidadosamente falar em dominação ou opressão da mulher e do desequilíbrio de poder presente nas relações entre homens e mulheres. Assim, essa omissão não é fortuita, um mero esquecimento a ser corrigido numa próxima ocasião, mas tem um fundamento político: não se atacam os nossos "bons e velhos costumes", os nossos chefes de família, em suma, a nossa tradição.

Um compromisso deste tipo que o governo tomou em relação às mulheres, normalmente fica só na declaração de intenções e não constitui uma base actuante para os indivíduos e organizações que lutam pelos direitos das mulheres. Todas essas convenções internacionais sobre os direitos humanos que foram assinadas, aparecem como imposições de uma modernidade invasora, que não se pode evitar sob risco de ver o país ficar de lado da grande comunidade "civilizada". Mas sem convicção, sem real interesse em fazer a mudança...

Neste "7 de Abril" de 1999, o último antes do advento do terceiro milénio, em vez de grandes festividades solenes, que se inaugure um período de questionamento e de balanço sobre quais têm sido as modalidades práticas através das quais as mulheres têm vivido a sua cidadania e as restrições que têm obstaculizado a igualdade de direitos e de oportunidades para homens e mulheres. Não subscrevemos visões apocalípticas sobre o final do mundo, mas temos esperança em que um reforço da luta feminista nos leve a conquistar mais justiça e igualdade. Os artigos que se seguem denunciam várias situações de discriminação das mulheres pelas instituições do Estado, pela sociedade e pela "vida". Uma parte deles fala da violência contra a mulher, sobretudo da violência doméstica, e de algumas das maneiras como a justiça lida com ela. Sem lamentações, mas em forma de denúncia.

Os artigos falam-nos pouco dos sonhos, não porque as mulheres não sonhem elas também com amanhãs mais serenos - que sabem os homens dos nossos sonhos? - mas porque a preocupação é de agir no imediato para garantir que a simples existência seja possível.

Como é de regra, este jornal é um fórum aberto a todas as vozes de protesto, independentemente das opções políticas, sendo o nosso comprometimento primeiro com a luta contra a discriminação e a opressão das mulheres. São vários os caminhos da liberdade e a diversidade é uma arma nossa.

 
Maria José Arthur
7 de Abril de 1999

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