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7 de Abril 1999

PARA QUE SERVE O 7 DE ABRIL?
por Maria José Arthur

Hoje é 7 de Abril e quando acordou o meu filho deu-me os parabéns e perguntou-me se eu não estava orgulhosa. Quis saber que razões haveria para tal e ele disse-me que não era pouca coisa o facto de o país inteiro parar por causa de mim e de outras mulheres moçambicanas.

Passada a surpresa - nunca antes me haviam endereçado semelhante questão - dei por mim a pensar que era bom ter um dia da "Mulher Moçambicana", mas que geralmente eram outros, e não as mulheres, que tiravam dividendos deste dia.

Maria tem 39 anos, é casada, mas está actualmente separada. Tem 2 filhos (*). Durante toda a sua vida conjugal sofreu de violência doméstica, em razão da qual foi parar frequentemente ao hospital, uma das vezes com o maxilar desfeito. Ficou semanas a viver de líquidos que ingeria com uma palhinha. Saiu de casa porque o parceiro, homem de sólidos conhecimentos, lhe assegurou que a atiraria pela varanda fora (viviam no 9º andar), sem ficar mais do que "algumas semanas na cadeia", caso ela não se fosse. Não há tribunal que lhe restitua a casa que perdeu e lhe garanta uma pensão de alimentos. Não há instância nenhuma que lhe possa devolver a alegria de viver e a confiança na vida. Que fará Maria no 7 de Abril?

Joana está na cadeia civil há cerca de dois anos, sem ter culpa formada. Foi acusada pelo companheiro, que trabalha na Migração, de ter roubado milhares de rands, em conluio com um mítico "amante branco" de cuja existência ninguém sabe. A sua detenção foi feita a pedido do companheiro, através da esquadra de Ressano Garcia, onde os polícias são todos seus colegas. Joana perdeu a casa, os filhos e um marido que se calhar só teve na sua imaginação. A injustiça será hoje, 7 de Abril, reparada para Joana? Será que Joana, na cadeia, ainda é uma "mulher moçambicana"?

Marta já morreu. Se estivesse viva não sei se teria motivos para comemorar o 7 de Abril. Em toda a sua vida de casada sofreu em silêncio e discretamente agressões físicas da parte do marido, até à solução final. Na véspera da sua morte apanhou novamente do seu parceiro e em seguida meteu-se na cama. Sentiu muita sede durante a noite e por duas vezes pediu ao filho que lhe trouxesse um copo de água. A segunda vez o companheiro disse-lhe que bebesse tudo de uma vez e que parasse de acordá-lo a noite toda. Marta respondeu-lhe que ela é que sabia da sede que tinha. E este pequeno grito de revolta foi a última coisa que disse. Não acordou mais. Morreu anónima e timidamente como sempre tinha vivido. Para o bem de todos.

Anónimas são também todas as outras Marias, Joanas e Martas, cuja vida é difícil ou útil consoante o ponto de vista, que trabalham, amamentam e cuidam do mundo. Não são formigas valentes nem heroínas desconhecidas. São só mulheres com medo, revoltadas ou conformadas, mas também cheias de sonhos e de esperança. Em quê também não sabem muito bem. No dia 7 de Abril, quando podem, cozinham refeições "melhoradas" para a família.

E depois vem a classe política que, rodeada de mulheres que estão também elas na política, vão depor flores a defuntos antigos, heróis venerados que já ninguém associa às lutas que travaram pela justiça. Ninguém diz: "Aqui juramos que vamos lutar pela justiça para as mulheres". Esses defuntos, dizíamos, não são celebrados pelo que fizeram ou pelo que foram, mas para glória dos viventes que mais podem.

Se calhar, bem pensadas as coisas, a utilidade do 7 de Abril pode ser a de criar a oportunidade para que as mulheres com vontade e possibilidades se possam exprimir. Talvez então o 7 de Abril possa ser celebrado pela palavra, se esta for de luta e de esperança. Em memória de todas nós.

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