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7 de Abril 1999

DEPOIMENTO DE UMA JOVEM MULHER:
PARA SER BEM INTERPRETADA
por Margarida Paulo

No dia 6 de Fevereiro de 1999 apareceu uma mulher no Centro do GRAAL (movimento internacional de mulheres cristãs), de aproximadamente 22 anos de idade, recém casada, moradora do Bairro do Aeroporto dizendo que tinha dificuldades em enfrentar a sua relação conjugal por causa das constantes agressões físicas e morais do marido.

Era intervalo do almoço quando alguém tocou à campainha. Abri a porta; estava uma mulher com o rosto bem cansado dizendo que queria conversar. De facto, eu não tinha muito tempo disponível. Ela apercebeu-se e insistiu dizendo que sabia que estava tomando o meu tempo, mas que pedia que a escutasse. A mulher falou. E referiu o comportamento do marido. Um aspecto curioso e contraditório no que diz respeito às atitudes deste homem é que é advogado de formação, o que me faz crer que conhece a lei.

De entre várias coisas que aquela mulher me contou algumas causaram-me estranheza e penso ser este o momento ideal para reflectir sobre a questão da mulher e sexualidade. Volto ao caso da minha visitante.

Tudo começou quando eles decidiram morar juntos nos fins do ano de 1995. Mas antes disso ele pediu à companheira para lhe dar uma prova de fidelidade: ela deveria pôr a mão no fogo, no verdadeiro sentido da palavra, como garantia de que nunca iria traí-lo. De lá para cá têm acontecido cenas macabras na vida daquela mulher. A preocupação que tenho é de saber o que terá acontecido com ela, porque neste momento não sei onde e como ela está. Aquela foi a primeira e a última vez que a vi.

No dia 3 de Fevereiro o marido trancou-a dentro de casa, dizendo que era para ela não sair, porque estava com ciúmes dela. E quando voltou do seu passeio fez-lhe o "teste de qualidade" que afinal não era a primeira vez que o fazia. Peço imensas desculpas aos Notmoquistas e aos caros leitores, mas devo explicar em que consiste o referido teste. Para o "teste de qualidade" a mulher fica deitada com as pernas afastadas e o homem faz o toque para sentir se não tem alguma "impureza" ou seja se a mulher não foi "adulterada".

A insegurança deste homem, no meu entender, pode-se fundamentar pelo facto de se ter juntado com uma mulher muito mais nova e atraente do que ele e que este considera, como dizem os brasileiros, "muita areia para o seu caminhão". A única forma que este tem para que ela não se convença nem faça uso das suas capacidades físicas e intelectuais, é criar situações desagradáveis continuamente de modo a que esta não tenha tempo para pensar em mais nada senão no que irá ser a próxima loucura do marido.

Quando lhe perguntei por que não contava à família o que estava a acontecer ou então meter queixa na polícia, ela olhou para mim e respondeu: "não tenho saída, não trabalho nem faço outra coisa senão cuidar da casa; dependo totalmente do meu marido e a minha família não vai me ajudar em nada porque pensam que ele é uma pessoa óptima, trata muito bem de todos e não deixa motivos para queixas. O que vai acontecer é pensarem que estou a mentir".

É natural que esta mulher não esteja disposta a enfrentar a família. Por outro lado, o silêncio perpetua as atitudes maldosas do marido. A posição de ouvinte ou de espectador, se quisermos, tem inconvenientes: um deles é de que é fácil opinar quando se está fora da realidade.

Sinceramente esta atitude não se deve permitir, não só por se tratar da humilhação de uma mulher, mas também por se tratar da violação dos direitos humanos: direito à liberdade, ao lazer… O mais engraçado é que se tivéssemos uma situação inversa, a reacção seria totalmente diferente e tendendo para uma situação de intolerância. Talvez aqui se possa propor uma investigação do porquê da tolerância da mulher.

 
É difícil (para mim) perceber em que mundo esse homem vive. Em que normas e valores este indivíduo acredita? Na minha opinião, o comportamento deste indivíduo dá direito a um psicólogo.

A formação cultural de que o homem pagou pela esposa e pode, portanto, controlá-la, induz muitas vezes em erro. Põe o homem em conflito com toda a sua educação de infância no sentido de obedecer e respeitar as mulheres, mas também entra em conflito com a educação da sua esposa no sentido de esperar tal respeito.

Homens e mulheres podem conviver no mesmo espaço físico sem agressões. O importante é aprenderem a ser cooperativos, não-agressivos, e susceptíveis às exigências alheias.

Para terminar, gostaria de apelar às mulheres e aos homens de boa vontade, para denunciarem, debaterem ou criticarem comportamentos ou atitudes que ameaçam a vida do ser humano.

Saudações notmoqueiras, até breve.

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