INCRÍVEL
No princípio da semana passada, pessoa muito amiga do "mt" trouxeram-nos,
devidamente eivada de mistério e com pedido de investigação, a alegação de
que, algures num quarto de um dos melhores hotéis da cidade, estava
hospedado um sindicalista português que, possivelmente, seria a mão por
detrás da greve geral em Moçambique. Sentimos imediatamente uma
inconfundível repulsa pelo que acabáramos de ouvir e, como aquilo tresandava
a manipulação, recusámo-nos a "investigar" o "caso".
É incrível que um governo que tem quatro ou cinco assessores estrangeiros
por tudo quando é ministério se ponha a tentar desvirtuar os objectivos e a
natureza evidentemente endógena desta acção dos sindicatos moçambicanos. É
incrível que um partido que tem relações com os partidos políticos da
aliança com a CGTP-IN e CGT tente insultar os propósitos de uma eventual
cooperação entre essas duas centrais sindicais e as nossas.
E mais incrível é, ainda, o que está latente nesta alegação. Que estará o
governo, em última análise, a insinuar? Que o trabalhador moçambicano não
tem sentido de iniciativa? Que não faz a sua própria história? Que é preciso
vir um estrangeiro do outro lado do mundo para vir instruir os incapazes dos
trabalhadores moçambicanos para estes, finalmente, perceberem que o seu
salário é uma miséria?
De repente, temos o partido da libertação, criador do movimento sindical em
Moçambique, a imitar tal e qual o colonialismo português quando proclamava
que a luta de libertação era fruto de uma manipulação chinesa e soviética. E
mais isto: a direcção da Frelimo começa a ficar parecida com a Renamo nas
suas acusações não fundamentadas.
Do ponto de vista do seu relacionamento com o seu próprio povo, em 25 anos
de independência, este entrará nos livros como um dos actos políticos mais
insultuosos, mais gratuitos e mais infantis de um governo da Frelimo.
Ha muitas interferências estrangeiras na nossa realidade. Uma boas, umas más
e algumas absolutamente trágicas. A história do sindicalismo está cheia de
exemplos bons de solidariedade externa.
Oxalá a OTM e a Consilmo não se deixem intimidar por este infantilidade do
governo e desenvolvam a sua cooperação externa o melhor que puderem e
souberem e que, nesse esforço, aprendam a separar o trigo do joio.
E oxalá o governo peça desculpa.
A MÃO ESTRANHA
Na sequência da desconvocatória da greve geral estamos a assistir a uma
série de insinuações feitas, primeiro pelo Primeiro Ministro e, depois, pelo
Presidente da República, sobre a existência de uma “mão estranha” e
estrangeira nos bastidores da dita greve geral.
Ora para o bem de todos nós é necessário que se clarifiquem bem as coisas,
para que tudo não pareça uma tentativa de diminuir o prestígio dos
sindicatos acusando-os de estarem a ser manipulados por uma qualquer agenda
estrangeira. É espantoso como essa coisa do inimigo externo tem sido usada,
nos últimos milhares de anos, para conseguir objectivos muitas vezes pouco
claros.
Em primeiro lugar, eu penso que seria bom sabermos se existiu, de facto
alguém que possa estar, de perto ou de longe, relacionado com estas
acusações ou se elas não foram apenas resultado da imaginação de alguém.
Se não existiu ninguém a coisa fica por aí e cada um é responsável por
aquilo que andou a dizer ao público. Se existiu, é bom sabermos se esse
alguém andou a fazer alguma coisa ilegal em Moçambique. Pelo que me apercebi
do que fui ouvindo, a única coisa que se sabe dessas hipotéticas pessoas é
que são especialistas em greves e têm andado de hotel em hotel. Ora nem uma
coisa nem outra são crimes no nosso país.
Se todos os sectores de actividade contratam especialistas estrangeiros para
os ajudar a desenvolver as suas actividades, porque razão os nossos
sindicatos não poderiam contratar especialistas estrangeiros para os apoiar
na realização de uma greve geral, actividade da maior complexidade? Será que
a presença de consultores estrangeiros é má quando são contratados pelos
sindicatos e já não é má quando, por exemplo, a Frelimo contrata
especialistas brasileiros para acessorar nas campanhas eleitorais?
Quando especialistas internacionais vêm fazer workshops sobre a forma de o
nosso empresariado aumentar a sua eficiência ninguém fala de “mao estranha”
nem desconfia da agenda desses especialistas e, se calhar, até há razão para
desconfiar. Mas, agora, os dois maiores responsáveis do nosso governo
aparecem com estas insinuações quando se trata dos sindicatos.
Para que tudo isto não fique neste estranho nevoeiro em que as coisas nao
têm contornos bem definidos, só me parece haver uma solução:
Se há gente em Moçambique a cometer alguma ilegalidade é dever do governo
proceder à detenção dessa ou dessas pessoas e levá-la(s) a tribunal para
responder pelo(s) crime(s) cometido(s). Se isso não for feito, ficaremos
perante meras palavras sem fundamento, ditas com objectivos de uma agenda
que, nem por ser nacional, me parece menos obscura.
A BEM DA DEMOCRACIA
As declarações do PM e do PR sobre a suposta “mão externa” no caso da
reivindicação salarial radica na mesma perspectiva de opinião que tentou
ligar a ascenção do MDC no Zimbabwe - de base sindical, recorde-se - e a
torrente de consciência civil anti- Mugabe a influências externas,
nomeadamente britânica, tentando- se fazer da sociedade civil local e
respectiva comunidade sindical um corpo desfacelado.
Ontem, na sua entrevista ao “Domingo”, o SG da Frelimo Manuel Tomé, sugeria
que o partido se tinha de ajustar à nova “realidade política” e, nesse
contexto, urgia fazer-se a “avaliação dos reflexos da globalização no nosso
país”. Ora, as declarações do PM e do PR são, pois, uma avaliação errada da
globalização, uma minimização dos seus reflexos, que não se cingem apenas à
economia, ao hamburger, à emergências de novas identidades sociais, ao Big
Brother, etc, mas também se incrustam na sedimentação de redes de
solidariedade entre os mais variados grupos de interesse e de pressão, sendo
que assim questões como a nacionalidade dos actores são de pouca monta.
As declarações do PM e do PR reflectem um desconhecimento deles de que os
problemas supostamente nacionais já não são exclusivamente nacionais. As
novas tecnologias de informação trouxeram a possibilidade de um dado assunto
ser internacionalizado sem o controlo do Estado, recebendo apoios e
aconselhamentos. Ou seja, os grupos de pressão e de interesse também tendem
a ser globais, no mundo onde ja se fala da sociadade civil global.
O argumento da “mão externa”foi um dos maiores deslizes de Mocumbi face à
opinião pública, como se viu no debate de quinta- feira na TVM. E é pena que
o PR tenha feito eco dessa acusação esvaziada de substância porque não
fundamentada. E também revela que a Frelimo não está ainda ajustada à essa
nova “realidade política nacional” de que fala Manuel Tomé, a da democracia
liberal. Porque esta democracia, meus caros, implica os governos tomarem a
consciência de que, mais dia menos dia, terão de enfrentar uma sociedade
civil mais forte, grupos de pressão mais agressivos, que em Moçambique estão
ainda a dar os primeiros passos no que diz respeito ao seu papel num Estado
democrático e tem substituído em grande medida a função dos partidos
políticos. A bem da democracia.
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