Moçambique on-line


Três artigos do metical de 31 de Julho


editorial
INCRÍVEL

No princípio da semana passada, pessoa muito amiga do "mt" trouxeram-nos, devidamente eivada de mistério e com pedido de investigação, a alegação de que, algures num quarto de um dos melhores hotéis da cidade, estava hospedado um sindicalista português que, possivelmente, seria a mão por detrás da greve geral em Moçambique. Sentimos imediatamente uma inconfundível repulsa pelo que acabáramos de ouvir e, como aquilo tresandava a manipulação, recusámo-nos a "investigar" o "caso".

É incrível que um governo que tem quatro ou cinco assessores estrangeiros por tudo quando é ministério se ponha a tentar desvirtuar os objectivos e a natureza evidentemente endógena desta acção dos sindicatos moçambicanos. É incrível que um partido que tem relações com os partidos políticos da aliança com a CGTP-IN e CGT tente insultar os propósitos de uma eventual cooperação entre essas duas centrais sindicais e as nossas.

E mais incrível é, ainda, o que está latente nesta alegação. Que estará o governo, em última análise, a insinuar? Que o trabalhador moçambicano não tem sentido de iniciativa? Que não faz a sua própria história? Que é preciso vir um estrangeiro do outro lado do mundo para vir instruir os incapazes dos trabalhadores moçambicanos para estes, finalmente, perceberem que o seu salário é uma miséria?

De repente, temos o partido da libertação, criador do movimento sindical em Moçambique, a imitar tal e qual o colonialismo português quando proclamava que a luta de libertação era fruto de uma manipulação chinesa e soviética. E mais isto: a direcção da Frelimo começa a ficar parecida com a Renamo nas suas acusações não fundamentadas.

Do ponto de vista do seu relacionamento com o seu próprio povo, em 25 anos de independência, este entrará nos livros como um dos actos políticos mais insultuosos, mais gratuitos e mais infantis de um governo da Frelimo. Ha muitas interferências estrangeiras na nossa realidade. Uma boas, umas más e algumas absolutamente trágicas. A história do sindicalismo está cheia de exemplos bons de solidariedade externa.

Oxalá a OTM e a Consilmo não se deixem intimidar por este infantilidade do governo e desenvolvam a sua cooperação externa o melhor que puderem e souberem e que, nesse esforço, aprendam a separar o trigo do joio. E oxalá o governo peça desculpa.


A opinião de Machado da Graça
A MÃO ESTRANHA

Na sequência da desconvocatória da greve geral estamos a assistir a uma série de insinuações feitas, primeiro pelo Primeiro Ministro e, depois, pelo Presidente da República, sobre a existência de uma “mão estranha” e estrangeira nos bastidores da dita greve geral.

Ora para o bem de todos nós é necessário que se clarifiquem bem as coisas, para que tudo não pareça uma tentativa de diminuir o prestígio dos sindicatos acusando-os de estarem a ser manipulados por uma qualquer agenda estrangeira. É espantoso como essa coisa do inimigo externo tem sido usada, nos últimos milhares de anos, para conseguir objectivos muitas vezes pouco claros.

Em primeiro lugar, eu penso que seria bom sabermos se existiu, de facto alguém que possa estar, de perto ou de longe, relacionado com estas acusações ou se elas não foram apenas resultado da imaginação de alguém. Se não existiu ninguém a coisa fica por aí e cada um é responsável por aquilo que andou a dizer ao público. Se existiu, é bom sabermos se esse alguém andou a fazer alguma coisa ilegal em Moçambique. Pelo que me apercebi do que fui ouvindo, a única coisa que se sabe dessas hipotéticas pessoas é que são especialistas em greves e têm andado de hotel em hotel. Ora nem uma coisa nem outra são crimes no nosso país.

Se todos os sectores de actividade contratam especialistas estrangeiros para os ajudar a desenvolver as suas actividades, porque razão os nossos sindicatos não poderiam contratar especialistas estrangeiros para os apoiar na realização de uma greve geral, actividade da maior complexidade? Será que a presença de consultores estrangeiros é má quando são contratados pelos sindicatos e já não é má quando, por exemplo, a Frelimo contrata especialistas brasileiros para acessorar nas campanhas eleitorais?

Quando especialistas internacionais vêm fazer workshops sobre a forma de o nosso empresariado aumentar a sua eficiência ninguém fala de “mao estranha” nem desconfia da agenda desses especialistas e, se calhar, até há razão para desconfiar. Mas, agora, os dois maiores responsáveis do nosso governo aparecem com estas insinuações quando se trata dos sindicatos.

Para que tudo isto não fique neste estranho nevoeiro em que as coisas nao têm contornos bem definidos, só me parece haver uma solução:

Se há gente em Moçambique a cometer alguma ilegalidade é dever do governo proceder à detenção dessa ou dessas pessoas e levá-la(s) a tribunal para responder pelo(s) crime(s) cometido(s). Se isso não for feito, ficaremos perante meras palavras sem fundamento, ditas com objectivos de uma agenda que, nem por ser nacional, me parece menos obscura.


A opinião de Marcelo Mosse
A BEM DA DEMOCRACIA

As declarações do PM e do PR sobre a suposta “mão externa” no caso da reivindicação salarial radica na mesma perspectiva de opinião que tentou ligar a ascenção do MDC no Zimbabwe - de base sindical, recorde-se - e a torrente de consciência civil anti- Mugabe a influências externas, nomeadamente britânica, tentando- se fazer da sociedade civil local e respectiva comunidade sindical um corpo desfacelado.

Ontem, na sua entrevista ao “Domingo”, o SG da Frelimo Manuel Tomé, sugeria que o partido se tinha de ajustar à nova “realidade política” e, nesse contexto, urgia fazer-se a “avaliação dos reflexos da globalização no nosso país”. Ora, as declarações do PM e do PR são, pois, uma avaliação errada da globalização, uma minimização dos seus reflexos, que não se cingem apenas à economia, ao hamburger, à emergências de novas identidades sociais, ao Big Brother, etc, mas também se incrustam na sedimentação de redes de solidariedade entre os mais variados grupos de interesse e de pressão, sendo que assim questões como a nacionalidade dos actores são de pouca monta.

As declarações do PM e do PR reflectem um desconhecimento deles de que os problemas supostamente nacionais já não são exclusivamente nacionais. As novas tecnologias de informação trouxeram a possibilidade de um dado assunto ser internacionalizado sem o controlo do Estado, recebendo apoios e aconselhamentos. Ou seja, os grupos de pressão e de interesse também tendem a ser globais, no mundo onde ja se fala da sociadade civil global.

O argumento da “mão externa”foi um dos maiores deslizes de Mocumbi face à opinião pública, como se viu no debate de quinta- feira na TVM. E é pena que o PR tenha feito eco dessa acusação esvaziada de substância porque não fundamentada. E também revela que a Frelimo não está ainda ajustada à essa nova “realidade política nacional” de que fala Manuel Tomé, a da democracia liberal. Porque esta democracia, meus caros, implica os governos tomarem a consciência de que, mais dia menos dia, terão de enfrentar uma sociedade civil mais forte, grupos de pressão mais agressivos, que em Moçambique estão ainda a dar os primeiros passos no que diz respeito ao seu papel num Estado democrático e tem substituído em grande medida a função dos partidos políticos. A bem da democracia.


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