Moçambique on-line

mediaFAX de 20 de Novembro 2002

1. Escurinho confessa e estabelece ligações
2. Menção a Nhympine Chissano
3. A descrição do crime
4. Ayob diz que não conhece nem Dudu e Rohit
5. Continuem a desarmar os críticos!
6. Erro
7. A semana de Carlos Cardoso

Julgamento do caso Carlos Cardoso
Escurinho confessa e estabelece ligações

(Maputo) O julgamento do caso do assassinato do jornalista Carlos Cardoso produziu ontem algumas revelações que podem iluminar a compreensão do caso. A figura principal foi o réu Manuel Escurinho, que confessou a sua participação no crime e confirmou o envolvimento de Anibalzinho e Carlitos Rachid enquanto autores materiais. Isto é importante na medida em que, tanto na acusação do Ministério Público como na acusação particular, os três são indicados como os autores materiais, incluindo Momad Assif (Nini), que aliás beneficiou ontem do depoimento de Escurinho.

As duas acusações apontam Nini não só como autor moral mas também material. Rezam os libelos, Nini foi quem levou a arma do crime para a viatura conduzida por Anibalzinho, quando esta já se encontrava nas proximidades do Metical. Nesse dia, Escurinho vinha no carro com Anibalzinho. Ontem este réu desmentiu esta versão, dizendo que no percurso com Anibalzinho desde o Alto Maé até o local do crime não apareceu nenhuma outra pessoa à excepção do atirador Carlitos. Ele disse ainda que só viria a conhecer Nini na cadeia, depois da detenção. Este depoimento pode apontar para uma desincriminação de Nini enquanto autor material tal como apontam as acusações.

Mas ao mesmo tempo que Escurinho operava essa confissão, clarificando pelo menos o crime, ele deixava outras nuances para a compreensão do caso (ver textos nesta edição). O ponto que se levanta agora é até que ponto este depoimento é o verdadeiro, dado que Escurinho já teve outros depoimentos, pelo menos dois, nos quais envolveu outras figuras na autoria material do crime, nomeadamente o famigerado Dudu (Osvaldo Muianga) e o próprio Nini. Ontem, ele disse que esse dois depoimentos anteriores foram feitos sob coacção, implicando o antigo Director da Polícia de Investigação Criminal, António Frangoulis, numa alegada operação de tortura e manipulação das suas declarações.

No dizer de Escurinho, foi Frangoulis que o obrigou a prestar as anteriores declarações de incriminação a Nini. Fontes próximas do processo alegam, no entanto, que as confissões anteriores de Escurinho não foram feitas sob tortura. Não se sabe ainda se António Frangoulis será uma das testemunhas da acusação. Crê-se que, quanto a ele, interessava fundamentalmente clarificar em que situação foram, de facto, recolhidos os primeiros dois depoimentos de Escurinho durante as diligências de instrução.

Um dado importante a reter é o seguinte: Escurinho tentou desincriminar o réu Momad Assif enquanto autor material, mas construiu um argumento que coloca Nini como autor moral do crime. Escurinho reportava-se a semanas posteriores ao crime, quando ele via que não estava a ser pago (contou que recebera apenas 30 milhões de Meticais dos 500 milhões prometidos). "Eu pressionei o Aníbal para pagar-me e ele sempre dizia que o Nhympine já dera ordens ao Nini para fazer o pagamento". Por outras palavras, no dizer de Escurinho, Nini era claramente uma espécie de intermediário do crime.

De acordo com um parecer jurídico recolhido pelo mediaFAX, um intermediário também situa-se na mesma qualidade de autor moral. Aliás, esta alegada posição intermédia deste arguido, entre os alegados verdadeiros mandantes e os autores materiais, já tinha vindo a público nas últimas semanas, configurando uma espécie de confissão tácita (refira-se que, para além de Nhympine, Nini, que deverá ser interrogado hoje, já mencionou alegadamente os nomes de outros supostos mandantes, também conhecidos do público).

O depoimento deste arguido levou o seu advogado, Simeão Cuamba, a renunciar o mandato enquanto seu defensor. Cuamba justificou a decisão com o facto de Escurinho ter feito uma outra confissão do crime, um outro relato dos factos diferente do que lhe tinha dado anteriormente. "Ele não me disse a verdade". A renúncia do advogado foi indeferida pelo juiz alegando que ela não podia acontecer naquela fase do processo. Mas a Escurinho foi dada a possibilidade legal de encontrar um defensor ad-hoc.

Hoje o julgamento vai prosseguir com o interrogatórios aos restantes três arguidos presos, nomeadamente Momad Assif, Vicente Ramaya e Carlistos Rachid.
(Marcelo Mosse)

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Menção a Nhympine Chissano

O filho do PR pode tomar a iniciativa de se apresentar ao Tribunal para dizer da sua verdade

(Maputo) O filho do Presidente Chissano, Nhympine, foi ontem mencionado como estando envolvido no assassinato do jornalista Carlos Cardoso, enquanto mandante. Esse foi um dos momentos mais destacados da sessão. O réu Escurinho, que confessou o crime, mencionou o nome do filho do Presidente Chissano citando alegadas informações que lhe teriam sido prestadas pelo réu Anibalzinho. De acordo com Escurinho, Anibalzinho disse-lhe que quem encomendara o assassinato de Carlos Cardoso tinha sido Nhympine.

Há poucas semanas, a menção deste nome já havia sido feita e o juiz do caso mandou instaurar um processo autónomo para averiguar até que ponto é que o filho de Chissano pode estar envolvido. Escurinho disse que só soube da operação contra CC no próprio dia 22 de Novembro de 2000. Eis o seu relato: "O Aníbal veio levar-me à casa pedindo ajuda. Eu perguntei que tipo de ajuda era. Ele perguntou-me se eu não queria ficar rico. Eu disse que sim, depois perguntei-lhe que tipo de ajuda era e ele disse que era só para lhe animar". Foi quando, contou Escurinho, Anibalzinho falhou-lhe da identidade do alvo. Ele que nem sequer conhecia CC, afirmou.

No diálogo descrito ao Tribunal, Escurinho acrescentou que perguntou ainda a Anibalzinho quem tinha feito a encomenda: "Ele respondeu-me que era um trabalho encomendado pelos grandes. Eu perguntei 'quem?'. Ele disse que era o Nhympine Chissano, filho do Presidente Chissano". Esta referência ao filho do PR já foi tratada em foro apropriado pelo juiz, como dissemos. Neste julgamento tem-se em conta apenas os aspectos que constam no despacho de pronúncia. Isto significa que o Tribunal e o Ministério Público não são obrigados a chamar Nhympine a julgamento. Eventualmente, interessaria à defesa que o filho do PR fosse depor, tentando assim estabelecer-se a inocência dos alegados autores materiais. Também Nhympine pode tomar a iniciativa de se apresentar a Tribunal para clarificar a constante menção ao seu nome.

Seja como for, essa menção pareceu representar uma espécie de protecção para Escurinho, mas, de acordo com o seu depoimento, ele nunca conheceu Nhympine. Escurinho declarou-se arrependido pela sua participação no crime, mas realçou que se tivesse recebido os 500 milhões de Mts na totalidade "nem sequer estaria aqui".

Este réu tentou explicar que a sua participação no crime resumiu-se a fazer o acompanhamento de Anibalzinho, e que era para dar uma espécie de "apoio moral". Mas faltou uma explicação para se compreender até que ponto um "apoio moral" pode custar o preço de 500 milhões de Mts. No interrogatório a Escurinho foram trazidos a lume alguns aspectos sobre o seu passado criminal, as suas ligações nesse mundo, a sua "relação de infância" com Anibalzinho, o processo da fuga para a Suazilândia depois do crime e a forma como ele e o co-réu foram detidos.
(MM)

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A descrição do crime

(Maputo) A descrição do crime violento que vitimou Carlos Cardoso, feita por Escurinho, ontem, estabelece que a intenção era a de assassinar CC a todo o custo e a troco de dinheiro. Escurinho contou que nesse dia 22 Anibalzinho foi busca-lo à casa, no Alto Maé, dizendo que queria "uma ajuda minha". Anibalzinho conduzia uma viatura VW Citi Golf. Escurinho disse que foi convidado a sentar-se no banco de trás da viatura. Do Alto Maé seguiram pela avenida Eduardo Mondlane em direcção à Polana. Entre as 16 e 17 horas dessa tarde, a viatura entrou pela Mártires da Machava, nessa altura Anibalzinho já tinha informado Escurinho sobre a natureza da operação. De acordo com o seu relato, nas proximidades do Metical, um terceiro homem, o atirador Carlitos Rachid, já estava à espera deles. Carlitos é o homem que a acusação aponta ter estado a vigiar os passos do jornalista assassinado nas semanas anteriores, tendo se dirigido por diversas vezes ao Metical comprar o jornal.

Anibalzinho e Escurinho abordaram Carlitos, que entrou para a viatura. Dentro dela havia "uma sacola militar com uma arma AKM, sem coronha". (O perito de balística sul africano que analisou a arma do crime disse que ela era uma AK47, de assalto). Escurinho contou que a primeira pergunta que Carlitos fez a Anibalzinho, depois que entrou na viatura, foi se a arma estava em condições. Para todos os efeitos, os três concordaram que era preciso testá-la. E "fomos à alta velocidade para a rampa do Miradouro. Aqui o Carlitos deu um tiro e confirmou que a arma estava em condições". Ao que regressaram à zona do Metical, encontrando Carlos Cardoso no passeio "a conversar com uma senhora. O jornalista entrou no jornal e saiu minutos depois. Quando o seu carro deu a primeira mudança, o Aníbal também arrancou. Perseguimos o carro e, quando chegamos perto do Parque dos Continuadores, o Aníbal deu um tiro ao ar, com a sua Makarov. O motorista do outro carro parou e eu vi o Carlos Cardoso a tirar a cabeça como que perguntando 'o que é que se passa?'". Depois do tiro de Anibalzinho, prosseguiu Escurinho, "o Carlitos começou a disparar para o Carlos Cardoso". De acordo com Escurinho, "foi tudo muito rápido. Tudo aconteceu em segundos". Consumado o acto macabro, os três partiram em direcção à Mao Tse Tung, entraram pela Julius Nyerere, tomaram a 24 de Julho e foram novamente dar à zona da Bota Alta no bairro do Alto Maé. Nenhum dos três, respondeu Escurinho ao juiz, regressou ao local do crime na altura em que este estava pejado de mirones.
(MM)

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Ayob diz que não conhece nem Dudu e Rohit

(Maputo) A segunda testemunha interrogada ontem foi Ayob Satar, sócio-gerente da Unicâmbios. Ayob, acusado de autoria moral, disse essencialmente que nunca teve motivação para mandar assassinar o jornalista Carlos Cardoso. De acordo com a acusação, o mote do crime foram as abordagens insistentes do jornalista Carlos Cardoso sobre a necessidade do julgamento do caso BCM.

A incriminação de Ayob Satar tem, essencialmente, por base, testemunhas como Dudu (no estabelecimento da ligação entre os autores materiais e morais, através de reuniões no Hotel Rovuma) e Rohit Kumar (que terá sido solicitado pelos irmãos Satar para encontrar, um ano e meio antes do crime, alguém para eliminar CC).

Ayob disse nunca ter tido reuniões no Rovuma nem ter quaisquer ligações com Rohit Kumar. No dia anterior, ele já lera uma contestação, através do seu advogado, descredibilizando a testemunha Dudu, apontando as contradições da sua autoria que já são do domínio público, enfatizando a sua "falta de idoneidade" e atacando veementemente a testemunha Rohit Kumar, classificando-o de "mentiroso".

O interrogatório a Ayob incidiu basicamente sobre o seu dia a dia, sobre cheques no valor de 7 bilhões de Meticais passados em seu nome pelo Casino do Hotel Polana, sobre as regras de pagamento de valores por parte da Unicâmbios, entre outros. Sobre os cheques ele explicou que foram passados em seu nome mas que o beneficiário era o seu irmão Momad Assif. Ayob nunca chegou a explicar cabalmente a razão dos cheques, designadamente a natureza da transacção comercial, remetendo isso para o seu irmão, que deverá ser interrogado hoje.
(M.M.)

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A minha opinião: Maria de Lourdes Torcato
Continuem a desarmar os críticos!

A melhor maneira de responder às críticas é fazer coisas bem feitas que desarmem os críticos! Chegámos a pensar que nunca teríamos o julgamento do caso Carlos Cardoso mas estávamos enganados e ainda bem. O julgamento está a decorrer normalmente e com uma organização que é a segunda boa surpresa. Foi pensada para acolher um público numeroso, tem facilidades sanitárias, podem comprar-se bebidas frescas e sandes, e a tenda onde se senta o Tribunal e o público, incluindo a imprensa, tem alguma climatização que a torna mais suportável apesar do calor.

Outra boa surpresa é o facto de toda a imprensa de Maputo estar a dar destaque a este julgamento. Mas, mesmo concordando com este destaque, confesso que em termos estritamente técnicos, não compreendi porque é que o "Notícias" abriu, dois dias seguidos, com o julgamento do caso Carlos Cardoso. Bernardo Mavanga, Director do "Notícias" estava lá e nada melhor do que perguntar-lhe, colega a colega, a razão das manchetes. A explicação de Mavanga é que este julgamento criou muita expectativa entre o público - o que aliás se vê pela numerosa assistência - e o jornal vai ao encontro desse interesse.

Este interesse tem entre outras motivações a curiosidade associada ao "escândalo" dos nomes sonantes que desde o início o público ligava a este e outros casos, e dos quais se falava em surdina. Mas, nos últimos tempos, os nomes são lidos e ouvidos abertamente nos meios de comunicação social. Este é um sinal de que começam a cair tabus, e com isso só podemos estar satisfeitos. Com este julgamento, o público leigo em matéria de Direito e Justiça vai aprendendo coisas importantes como, por exemplo, que ser suspeito e ser acusado não é o mesmo que ser culpado e condenado, como também não é ser inocente e absolvido. Passar de uma situação a qualquer das outras duas, requer muito trabalho, muito saber, muita paciência e isenção. Quem tem essa tarefa é o tribunal. A decisão e a responsabilidade final é dos Juizes.

Participar, quer pessoalmente, quer através dos meios de comunicação social, nos procedimentos dum Tribunal durante um julgamento é um direito do cidadão mas é também um privilégio pela oportunidade que dá de conhecer os meandros da administração da Justiça e assim poder respeitá-la e confiar nela. Respeito e confiança do cidadão em relação ao aparelho judicial é uma coisa de que muito se está a precisar em Moçambique. Este julgamento ainda vai no início, mas pode vir a ser um marco na história da Justiça moçambicana. Seja qual for o seu desfecho - e confiamos que será o mais justo - é o início de uma caminhada que para bem de todos não pode ser interrompida e muito menos voltar atrás. E o Carlos Cardoso, na imensa generosidade do seu grande coração, pode dizer lá onde está: a minha morte serviu o meu país!

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ERRO: O valor da indemnização solicitado pela família de Carlos Cardoso, no caso em julgamento, é de 14 milhões de contos (mdc), e não de 7 milhões de contos como escrevemos na nossa edição de ontem. A advogada Lucinda Cruz anunciou uma solicitação de 7 mdc por danos morais e 7 mdc por danos materiais.
O Editor


SEMANA DE CARLOS CARDOSO

(Maputo) No âmbito da semana de Carlos Cardoso, o SNJ acolhe hoje, pelas 17h30, duas palestras, uma por Luís de Brito, professor universitário, que falará sobre "Sociedade Civil, Factor-Chave de Renovação Política: O Caso JPC". Recorde-se que Cardoso foi um dos fundadores do Juntos Pela Cidade, grupo de cidadãos que conseguiu alcançar na Assembleia Municipal de Maputo em 1998. Depois de Luís de Brito, será a vez do jornalista Fernando Lima proferir uma palestra subordinada ao tema "A Imprensa Independente como Limitadora do Poder do Estado: os casos do Metical, MediaFAX e SAVANA".

Ainda hoje no mesmo local e à mesma hora, a organização ambientalista moçambicana Livaningo, para cuja emergência e afirmação como grupo de pressão Carlos Cardoso e o extinto jornal Metical deram um enorme contributo, vai anunciar um Prémio de Jornalismo Carlos Cardoso.

Na sexta feira, o programa começará as 10 da manhã com o descerramento da placa na rua que passará a ostentar o nome Carlos Cardoso, seguindo-se do plantio de árvores nessa mesma rua.

Na mesma sexta feira, pelas 12 horas, será inaugurada no SNJ uma mostra de pintura e escultura intitulada Liberdade. Seguir-se-á o lançamento dois prémios de jornalismo investigativo: um patrocinado pela União Europeia Entre as 15 e as 17h30 de sexta-feira, duas palestras vão ter lugar também na sede do SNJ. O primeiro palestrante será Aurélio Rocha, que falará sobre o tema "Trabalho e Formação: Factores de Construção da Cidadania", e Kebobad Patel, que abordará o tema "Desenvolvimento Nacional e Governação Democrática: O Caso do Caju".

Pelas 18 horas de sexta-feira, haverá deposição de flores no local do assassinato e pelas 19 horas, na Associação Moçambicana de Fotografia, projectar-se-ão slides de pinturas de Carlos Cardoso, assim como será lançado um livro com obras plásticas da sua verve.

No sábado, dia 23, será disputada a Taça Carlos Cardoso em Polo Aquático, na piscina do Desportivo de Maputo.
(da redacção)

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Moçambique on-line - 2002

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