Moçambique on-line

mediaFAX de 24 de Dezembro 2002

2. Nympine & Cia interrogados ontem
3. Editorial: O DILEMA DA JUSTIÇA
1. Uma carta de Mariano Matsinha


Processo autónomo do caso Cardoso
Nympine & Cia interrogados ontem

(Maputo) O Ministério Público ouviu ontem em audiência de instrução preparatória os cidadãos Nyimpine Chissano, Cândida Cossa, Octávio Muthemba e Nanaio Pateguana, na sequência dos indícios que os apontam como estando ligados ao assassinato do jornalista Carlos Cardoso.

Segundo informações em nosso poder, o Ministério Público levantou várias questões sobre o assunto e tocou também no caso do assassinato do antigo PCA interino do Banco Austral, António Siba-Siba Macuácua. Também foram afloradas questões sobre o papel de Nyimpine no Banco Austral, durante a gestão de Octávio Muthemba. De recordar que Nyimpine sempre negou ter pertencido aos quadros do Banco. Ontem disse que nunca trabalhara nesse banco, apenas prestou assessoria ao PCA do banco e nunca foi trabalhador.

À saída de Nyimpine Chissano do tribunal, o mediaFAX pediu-lhe uma conversa a sós, mas ele recusou, alegando que não conhecia o interessado. O jornalista identificou-se, mas isso nada resultou. Dado a nossa insistência para saber porque não queria abrir-se uma vez que a sua imagem estava em causa, Nyimpine disse que não respondia a "perguntas cobardes" e foi-se embora.

Orlando Graça, advogado de Nympine Chissano, disse por seu turno que o Ministério Público chamou Nympine Chissano porque este foi indicado por alguns réus do caso Cardoso como estando ligado ao crime. Graça, respondendo a uma outra pergunta do mediaFAX, disse que não sabia se o seu constituínte alguma vez trabalhara no Banco Austral.
(R.C.)

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Editorial
O DILEMA DA JUSTIÇA

Uma das grandes lições que o julgamento do Caso Cardoso nos ensinou é que existe ainda, em Moçambique, um grande desencontro entre os procedimentos da Justiça e a sede de justiça por parte da sociedade. Esta é, de resto, uma evidência inerente às jovens democracias africanas, onde a sofisticação política das pessoas é muito baixa e a iliteracia impede que a sociedade apreenda plenamente a natureza e o papel das instituições. Vale, pois, a pena sublinharmos esta contradição, dado que ela deve ser tomada em conta para que a instauração de um Estado de Direito se aconteça não somente como uma atitude isolada dos poderes públicos, mas como um processo reconhecido e assumido pela sociedade civil.

A inoperância e lentidão, a inércia e laxismo, a corrupção e promiscuidade que caracterizam a administração da Justiça nos últimos anos, incutiram na sociedade uma profunda descrença pelas instituições do sector. Ao optar-se pelos directos televisivos no julgamento do Caso Cardoso, a Justiça convenceu-se de que essa era uma estratégia funcional para o restabelecimento dessa confiança perdida. De repente, o julgamento tornou-se no programa televisivo mais visto na história da nossa TV. A estratégia consistiu em mostrar que as coisas podem ser feitas com transparência.

Na luta pela recredibilização das instituições de Justiça, ela teve mérito pois permitiu mostrar que, em Moçambique, "a justiça pode ser feita e está a ser feita, aos olhos do público". Mas, ao cabo das primeiras duas semanas, esse mérito pareceu ter-se desvanecido. E aqui entram as mazelas dos directos televisivos. Por quê? Porque a força com que alguns réus implicaram outros cidadãos no caso aumentou a sede de justiça. Mas essa gula foi encalhar rapidamente na lógica que encerra os procedimentos da Justiça. Quando, por causa dessa sede de justiça, a condenação pública na pessoa de Nyimpine Chissano estava rapidamente lavrada, os procedimentos da Justiça remetiam a averiguação do seu envolvimento para um processo autónomo; e o ajuizamento - de carácter subjectivo - dos indícios bastantes evitou que se tomassem as medidas de coação como a detenção preventiva.

Com este cenário, a sociedade parece ter sido defraudada com a Justiça. E o julgamento (e os directos), ao invés de funcionarem como um namoro entre a sociedade e a Justiça, aumentou a percepção, na sociedade, de que a novela estava demasiado ficcionada para ser real. Este é o grande dilema da Justiça nos dias que correm em Moçambique: a corda da descrença está demasiado esticada e é preciso uma atitude pedagógica para que haja na sociedade uma maior compreensão dos procedimentos da Justiça. Também é preciso afastar os fantasmas da manipulação e a ideia de que a Justiça parece querer funcionar, mas apenas no interesse das elites do poder. X

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Uma carta de Mariano Matsinha

(Maputo) Em reacção a um artigo do mediaFAX sobre a recente reunião do CC da Frelimo, onde Matsinha é citado, recebemos ontem uma carta do militante deste partido, que passamos a transcrever na íntegra:

Exmo Sr. Editor

O artigo do vosso repórter Rui de Carvalho, intitulado "O CC da Frelimo e o caso Cardoso", publicado na edição do mediaFAX do dia 19 de Dezembro de 2002, refere-se, de forma imprecisa e distorcida, às declarações que eu terei prestado sobre a recente reunião do Comité Central da Frelimo. No último parágrafo do artigo, o repórter atribui-me a seguinte citação: "Devo acrescentar que o nome do presidente Chissano não nos interessa tanto, pois ele não é o nosso candidato nas próximas eleições. Neste momento, estamos preocupados com o nome de Armando Guebuza, que é o nosso candidato".

Cabe-me informar ao Sr.Editor que não prestei nenhuma declaração deste teor na conversa telefónica que tive com o Sr. Rui de Carvalho e tão pouco mencionei o nome do Secretário Geral da Frelimo, Armando Guebuza. O Sr. Editor sabe, pelo meu passado histórico e político, que aquela citação contradiz claramente as minhas convicções políticas. O papel e o legado do Presidente Joaquim Chissano é, inquestionavelmente, muito importante no processo de transição da liderança política na Frelimo e no Estado moçambicano. Esta foi uma das razões que levaram a Segunda Sessão Ordinária do Comité Central da Frelimo a saudar o Presidente Chissano pela sua liderança sábia e clarividente dos destinos do Partido Frelimo e da Nação moçambicana.

Tendo esclarecido o meu posicionamento em relação a este assunto, solicito, ao abrigo da Lei de Imprensa, que publique esta carta com o devido".
Mariano de Araújo Matsinha

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Moçambique on-line - 2002

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