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Notícias de Moçambique
(Boletim especial)
n° 15 27 de Outubro de 1994 Maputo

 
Enquanto votação já está em curso:
RENAMO DECIDE RETIRAR-SE DAS ELEIÇÕES

Hoje, quinta-feira dia 27 de Outubro, primeiro dia da votação, a Renamo declarou que não participará nas eleições por considerar que não estão reunidas as condições para que elas sejam livres e justas.

No sábado passado Dhlakama pediu e teve um encontro com alguns embaixadores e com o representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas em Moçambique, Aldo Ajello, "devido ao surgimento de uma série de documentos estranhos nestas vésperas das eleições". Porém, ao sair da reunião, Aldo Ajello disse à imprensa que o documento atribuído à empresa Vox Populi (cf. NM14) "é claramente falso." E acrescentou "não quero sequer perder um minuto a pensar no envolvimento do Chefe do Estado ou algum e outro dirigente da Frelimo."
Na mesma reunião foram também discutidas as instruções nº 28 e 29 da STAE (Secretariado Técnico de Administração Eleitoral) para as mesas das Assembleias de Voto. Essas instruções, assinadas pelo director-geral do STAE, José Estêvão Muchine, determinam quais são os cartões de eleitor e os cadernos de recenseamento que deverão ser aceites como válidos pela Assembleias. A medida pretende "ultrapassar algumas falhas cometidas" e diz que devem ser aceites cartões de eleitores incompletos (cartões com nome incompleto, ou nos quais falta o carimbo, a impressão digital ou que tenham a numeração incorrecta) e, nalguns casos, também cadernos de recenseamento que não obedeçam estritamente às regras, inclusive cadernos de recenseamento com páginas rasgadas e com numeração incorrecto. Aldo Ajello, após a reunião, chamou o documento de "confuso e confusionante" e disse que o mesmo iria ser corrigido.

Na segunda-feira, dia 24, um comunicado, assinado por John Sithole, director do Gabinete Nacional de Eleições da Renamo, constata o que chama de "irregularidades que põem em causa o acto eleitoral". O comunicado refere-se novamente às instruções 28 e 29 do STAE, que - diz o comunicado - manda aceitar cartões de eleitor incompletos e cadernos de recenseamento viciados, instruções que podem "possibilitar abusos e fraudes incontroláveis." Além desta questão, o comunicado menciona "deficiências sérias na emissão dos cartões e das listas dos eleitores", a existência de material para recenseamento e boletins de voto em excesso (devido ao facto de se ter previsto um total de 8,3 milhões de eleitores e só se terem registado 6,4 milhões) que não estaria a ser controlado. O comunicado repete a acusação sobre a alegada compra de cartões de eleitor pela Frelimo em zonas com forte apoio à Renamo e diz tratar-se de uma conspiração "comprovada no documento recente da empresa Vox Populi".
A Renamo, no seu comunicado, exige a contabilização e entrega do excedente dos cartões de recenseamento e do restante material do recenseamento à CNE (Comissão Nacional de Eleições) garantia de controlo adequado do excedente dos boletins de voto e a submissão das instruções 28 e 29 à CNE para discussão, revisão e eventual aprovação. O comunicado termina: "Face ao exposto o Gabinete Nacional de Eleições da Renamo considera que, neste momento, continuam a não estar reunidas as condições mínimas para umas eleições livres e justas."
No entanto, o porta-voz da Renamo, Rahil Khan, que deu a conhecer esta posição da Renamo à imprensa, disse que a Renamo não se ia retirar do processo.

Na terça-feira à noite, os partidos da oposição tiveram um encontro com a CNE na qual sugeriram adiar as eleições por alguns dias. A CNE constatou que nenhuma das acusações contidas no comunicado tem base. Brazão Mazula reeditou a instrução nº 28, mas sem que essa sofresse grandes alterações. Três outros partidos da oposição apoiaram a posição da Renamo.

Na quarta-feira à noite, a Renamo repetiu que não estavam reunidas as condições para eleições livres e justas, principalmente por não terem sido revogadas as duas instruções. A partir das 21 horas a sua emissora de rádio começou a difundir uma informação que disse que as eleições deveriam ser adiadas e que apelava aos eleitores para não votarem. A uma da manhã do dia 27 Dhlakama disse que a Renamo ia retirar-se das eleições.

Às cinco horas, a CNE emitiu um comunicado que afirma que, analisadas as alegações da oposição, não havia motivo para adiar as eleições.
Durante a manhã, Dhlakama continuava a dizer que não há condições para eleições livres e justas e que a não revogação das duas instruções era prova disso. Várias personalidades políticas internacionais deslocaram-se à Beira para se encontrar com Dhlakama e convencê-lo a não desistir.
A CNE, num outro comunicado constata de novo que nenhuma das alegações da oposição são motivo para adiar as eleições. Quanto ao material excedente afirma que este está guardado nas Comissões Distritais de Eleições e que os representantes dos diferentes partidos têm o direito de fiscalizar as condições sob as quais está guardado.
Às cerca das 16 horas, Dhlakama confirma definitivamente que o seu partido se retira das eleições e ordena que todos os delegados de lista da Renamo se retirem das Assembleias de Voto.

A CNE declara que a desistência não é legal, visto que a Lei Eleitoral prevê um prazo de 72 horas para a revogação das candidaturas para as eleições legislativas e de duas semanas para as candidaturas às presidenciais. A CNE continua, portanto, a considerar as candidaturas da Renamo e do Dhlakama como válidas e exorta todos os eleitores a exercer o seu direito de voto normalmente. No entanto, os outros três partidos da oposição decidem não seguir o exemplo da Renamo e, apesar de considerarem que as alegações da Renamo têm fundamento, decidem continuar a participar nas eleições.
À noite o Presidente da República faz um pronunciamento à Nação. Informa ter sido informado pela CNE que esta chegou à conclusão que não há fundamentos suficientes para adiar as eleições ou para alargar o seu prazo. Também disse que há consenso na CNE quanto ao facto de que nenhuma das alegações possam pôr em causa a realização das eleições. (Recordamos que a CNE tem alguns membros que são representantes da Renamo).
O Presidente apelou a todos os eleitores para continuarem normalmente com o processo eleitoral e afirmou não ser no interesse nacional que alguma formação política rejeite os resultados da votação, quando essa é considerada livre e justa pelas Nações Unidas e pelos observadores internacionais.

De várias partes do mundo já chegaram as primeiras reações ao impasse criado pela decisão da Renamo. O Secretário-Geral das Nações Unidas, Boutros Ghali declarou que as eleições em Moçambique devem prosseguir normalmente. A presidência da União Europeia disse estar alarmada pela retirada da Renamo e pede a Dhlakama que reconsidere a sua decisão.
Os presidentes dos países da Linha de Frente também disseram estar a acompanhar o processo de perto. A Namíbia pediu à comunidade internacional que exerça pressão sobre Dhlakama para este rever a sua posição.

Primeiro dia decorre sem problemas
No entanto, o processo eleitoral decorreu normalmente no seu primeiro dia. A partir das quatro horas da manhã começaram a se formar grandes bichas em todas as assembleias de voto. A votação começava oficialmente às 7 horas, mas houve muitos casos de atraso por causa da chegada tardia do material de votação, especialmente nas províncias de Tete, Gaza, Sofala e Maputo.
Não foram noticiados muitos incidentes e a maior parte dos incidentes relatados deve-se à longa espera a que os eleitores estavam sujeitos.
A CNE estima que no primeiro dia cerca de 50% dos eleitores recenseados exerceram o seu direito de voto.
Na maior parte do país os delegados de lista da Renamo ficaram sem saber o que fazer, após Dhlakama ter anunciado a retirada da Renamo. Nalguns lugares a Renamo mandou carros para recolher os seus delegados. Mas na maioria dos casos parece que esses continuavam no seu lugar. Em Marínguè, no entanto, o processo de eleição foi interrompido às 17 horas. Os eleitores começavam a abandonar as bichas, obedecendo às ordens de Dhlakama. Os membros das mesas decidiram interromper o seu trabalho, por já não haver eleitores, e pediram autorização à Comissão Provincial de Eleições para se retiraram para a cidade da Beira. As urnas foram recolhidas pela Polícia.

Linha de Frente rejeita interferência
Os líderes dos países da Linha de Frente, reunidos em Harare, Zimbabwe, rejeitaram terça-feira a imposição de qualquer sistema político de governo para Moçambique. O comunicado final apela à comunidade internacional "para prevenir e condenar em termos firmes quaisquer interferências que possam comprometer a aplicação do Acordo Geral de Paz", dissipando assim especulações de que a reunião iria pressionar o Executivo moçambicano a aceitar um Governo de unidade nacional (cf. NM14).
A declaração diz que a Cimeira "decidiu monitorar continuamente a situação e está pronta para tomar qualquer acção apropriada e em tempo útil se assim a situação exigir". O presidente Chissano declarou que esta declaração não deve ser interpretada como uma ameaça com uma intervenção militar caso a Renamo decidir voltar à guerra.
O líder da Renamo esteve também em Harare e teve um encontro com o Chefe do Estado zimbabweano, Robert Mugabe, Presidente em exercício da Linha de Frente. Dhlakama declarou na ocasião estar satisfeito com os resultados da Cimeira e disse que iria aceitar os resultados se tiver a certeza de que não houve fraude.

Curtas
* O Ministro de Trabalho e membro do Governo na Comissão de Supervisão e Controle, Teodata Hunguana confirmou a existência de rumores sobre a manipulação dos resultados eleitorais através do computador, para que nenhum dos partidos concorrentes obtenha maioria parlamentar. Segundo esses rumores os computadores estariam programados para dar um terço dos votos para a Frelimo, um terço para a Renamo e um terço para os restantes partidos da oposição, independentemente do número real de votos. O ministro disse que o Governo está "preocupado".
* Cerca de quinhentas pessoas participaram na Marcha pela Paz, organizada pelo Movimento pela Paz na terça-feira passada em Maputo.
* No dia anterior às eleições, tanto o Presidente da CNE, Brazão Mazula, como o Presidente da República, Joaquim Chissano, dirigiram-se à Nação em mensagens de exortação. O Presidente da CNE apelou aos políticos para aceitarem os resultados da eleição.
* Numa conferência de imprensa Aldo Ajello declarou que as armas que eventualmente ainda se encontram escondidas não constituem uma ameaça à paz.
* A AMODEG (Associação dos Desmobilizados de Guerra) e o partido PIMO assinaram um acordo que estabelece formas de o PIMO apoiar os desmobilizados.
* Mais de 400 pessoas queimaram no dia 22 cinco casas pertencentes ao partido Frelimo no distrito de Marínguè. Os membros do partido tiveram que deixar o antigo baluarte da Renamo. O delegado da Renamo em Sofala, Manuel Pereira, disse que "a própria Frelimo é que provocou o incêndio para depois atribuir a culpa a nós".
* De Pemba chega-nos a notícia que os eleitores em Cabo Delgado não estão a gostar da tinta indelével na qual são obrigados a mergulhar o indicador da mão direita para evitar que votem duas vezes.
 

Fontes: Notícias, Savana, TVM, RM, fontes próprias


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