NoTMoC: Notícias de Moçambique
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NotMoc - Notícias de Moçambique
n° 99 7 de Abril 1997 Maputo

Edição Especial do 7 de Abril de 1997

 
Esta edição especial é mais exercício de aplicação do direito de expressão de vozes e temas marginais, habitualmente não tratados pela "grande imprensa". Os artigos que se seguem espelham a diversidade de opiniões, de valores e de culturas, porque nós mulheres somos muitas, somos diferentes e somos fortes!

As editoras               
Maria José Arthur & Conceição Osório  


SUMÁRIO


Custa a crer mas é verdade
Depoimento de uma jovem mulher, estudante do ensino secundário
por Nykole Vieira

Jovens do sexo feminino dos 12 aos 19 anos têm sido frequentemente vítimas de agressões físicas por parte dos namorados e ninguém faz nada... As vítimas não apresentam queixa à polícia e muitas vezes escondem esse facto dos pais. Se os restantes jovens a par do assunto se posicionam de alguma maneira, isso não se traduz em forma de censura social relativamente ao agressor. Pelo contrário, este parece ganhar fama de muito "macho", o que para eles quer dizer que sabe "tratar bem" as suas mulheres.

É à volta deste tema que pretendo escrever, porque me preocupa e me choca que as jovens de hoje, estudantes do ensino secundário e universitário, aceitem ser diminuídas por homens (ou projectos de homens) que se julgam donos de tudo e de todos, e que ainda as tratam como objectos de prazer. Onde está a moral nisto tudo? Serão as mulheres tão submissas a ponto de se deixarem dominar ou terão os homens razões dadas por elas para agirem como tal?

Caros leitores, cabe a vocês agora responder a esta pergunta com base em casos reais acontecidos nas passadas semanas.

Dia 21/03/97, sábado. Dia tradicional de "curtição" dos adolescentes no Búzio, Clube 7, Feira Popular, etc. Uma adolescente de 16 anos é vítima de agressão física por parte do seu ex-namorado e ninguém fez nada para ajudar... ou quase nada. Presenciaram o acontecimento jovens conhecidos de ambos que se limitaram a assistir. Depois de algum tempo foram dois adultos, estrangeiros, que puseram fim a esta agressão. E sabem que mais? A razão para isto tudo foi entendida pela opinião pública local e pelo próprio agressor como PROVA DE AMOR. Agora eu pergunto: será possível considerar uma agressão física como um acto amoroso?

Outro caso aconteceu durante uma festa particular. Uma jovem rapariga de 15 anos foi agredida pelo ex-namorado porque ela tentava viver a sua vida independentemente dele... Muito simpático, ele entra na sala e pede-lhe para terem uma conversa fora do recinto da festa. Saem os dois e o motivo da conversa era o seguinte: um pedido de desculpas por parte dele em relação às traições que havia cometido enquanto namoraram. No final acabou por pedir-lhe para voltarem a namorar. Como ela não tivesse aceite começou a bater-lhe, ao mesmo tempo que lhe dizia o quanto ela era uma fraca, o quanto as outras com que ele a traiu eram melhores. E para finalizar chamou-a de PUTA dizendo: "Não ficas comigo, não ficas com mais ninguém...". Ainda hoje prossegue este "romance", com ele a ligar-lhe e a ameaçá-la.

Ainda muito recente é também o triste caso de uma rapariga a quem deitaram droga no copo em que bebia, tendo-a em seguida levado para uma casa particular onde foi sucessivamente violada por três jovens "amigos". No dia seguinte ela acordou, sem calças, na casa de banho da tal casa, a vomitar. Meio confusa perguntou ao dono da casa (supostamente o seu melhor amigo) o que havia se passado e ele olhou-a e começou a rir-se dizendo: "És mesmo uma puta". Desse dia em diante, tem-se ouvido rumores atentatórios da dignidade da rapariga em causa, sem que esta possa provar coisa alguma ou defender-se, por não se lembrar de nada.

Outras jovens ainda são vítimas de agressão psicológica, através das chamadas "chantagens de amor".

Não sei em que é que os namoros entre os adolescentes hoje em dia se distinguem dos do tempo dos nossos pais. Haverá talvez mais violência. O homem como sempre tenta ser chefe e o senhor da "última palavra" em tudo. Será isto justo? O que será que os homens pensam que têm que os torna superiores ás mulheres? O corpo? A inteligência? A força?

Está muito claro que as mulheres aceitam a posição em que se encontram. O importante é entender o porquê dessa aceitação. Será medo? Possivelmente medo por não terem os direitos delas definidos e a fazerem-se notar. Não terão as mulheres força suficiente para encarar o homem sem medo? Afinal estão ou não elas em maioria pelo mundo fora?

Os homens fazem e desfazem das mulheres, usam-nas como objectos, abusam da sua paciência, traem-nas e justificam-se alegando que "a necessidade sexual do homem é maior". É maior em quê? Todos nós temos hormonas, isso de os homens necessitarem mais do que as mulheres não foi provado por ninguém. Por acaso os homens sabem qual é a diferença entre as necessidades deles e as das mulheres? Como? Eles que se expliquem antes de se justificarem com desculpas herdadas dos tempos dos seus pais e avós.

Quem disse a alguns homens que como prova de amor as mulheres devem tê-los como primeiros parceiros sexuais para serem eternamente lembrados como os "tais"? Existem rapazes que acabam com as namoradas só porque elas não se sentem ainda preparadas para assumir a responsabilidade de iniciarem a sua vida sexual.

Tudo isso é a realidade da vida a dois entre os adolescentes e adultos actualmente. Casos piores acontecem e as mulheres acabam por se submeter cada vez mais. É preciso pôr um travão nessa situação e começar a lutar pelos nossos direitos e dignidade. Direito de viver em segurança, sem temer pela nossa integridade física. Direito de conduzir a nossa vida amorosa e afectiva sem pressões, sem imposições nem obrigações. Direito de sermos as únicas a controlar o nosso corpo.

Esta luta é nossa e ninguém pode fazê-la por nós.
 


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