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n° 99 7 de Abril 1997 Maputo

Edição Especial do 7 de Abril de 1997


Nem crianças, nem marginais: mulheres e partidos políticos
por Maria Isabel Casas

"Bem-vindas de novo, sejam todas bem-vindas. Sabemos que as crianças fora do pai tornam-se marginais". Estas foram as palavras de boas-vindas de uma das autoridades da Frelimo numa Província desta terra, quando as mulheres da OMM regressaram do Congresso onde foi tomada a decisão de voltar à casa do Pai-Partido.

E eu que ouvi esta história fiquei com vontade de falar da batata quente da autonomia das organizações de mulheres perante os partidos políticos em geral. Cito as palavras de alguém do partido Frelimo, mas tenho certeza de que poderiam ser pronunciadas por qualquer outro partido em Moçambique e outros países do mundo.

Em todo o mundo a história das mulheres e os partidos é - como nas telenovelas brasileiras - uma história de amor e dor. Para muitas mulheres os partidos têm representado um dos poucos espaços públicos onde a sua expressão foi considerada legítima ou pelo menos tolerada. É por isso que muitas mulheres militam nos partidos, assistem às discussões políticas e às vezes são escutadas, trabalham nas campanhas políticas dos partidos. E também participam nas centenas de comités de recepção com actividade cultural incluída, servem toneladas de café e limpam a sala de reuniões...

Mas a sua presença não está reflectida numa participação significativa das mulheres nos assuntos dos partidos - nem dos países. Nem tem garantido que questões centrais para as mulheres sejam incluídas nos programas dos partidos. De facto, tem sido mais fácil contar com o apoio das mulheres às actividades e programas dos partidos do que conseguir que estes incorporem os interesses das mulheres nos seus programas (*).

Em Moçambique as mulheres jogaram um papel central no processo da independência. Com a sua participação na luta armada desafiaram os estereótipos que as confinavam em casa. A independência abriu um espaço de reconhecimento para as mulheres, e em boa medida é por isso que a OMM constitui ainda hoje a maior organização de mulheres no país. Mas e depois desse reconhecimento que avanços houve para as mulheres e as preocupações das mulheres dentro do partido? Será que o espírito que animou o momento da independência fugiu pela janela fora quando chegou a hora de compartilhar os poderes privados e públicos? A independência não começa em casa?

Eu pergunto com muito respeito se a OMM está a aproveitar o seu enorme potencial. Se está a apoiar activamente as mulheres de Moçambique na definição das suas próprias necessidades e alternativas. Se têm protagonismo nos debates que fazem palpitar o país como o debate sobre a Lei de Terras - com grandes implicações para as mulheres camponesas. Falo com o coração na mão, sem desconhecer as muitas actividades positivas que a OMM desenvolve, mas sim com uma preocupação genuína pelo sentido do trabalho de uma organização que está nos mais remotos cantinhos do país e que talvez não esteja a aproveitar todo o seu potencial a favor das mulheres. Pergunto-me se agora com o retorno ao partido esse potencial não vai ser posto ao serviço dos interesses do partido que não são sempre os interesses das mulheres em Moçambique. Pergunto-me, em síntese, se não constitui um retrocesso do ponto de vista da autonomia das mulheres, esse valor que é, como a autodeterminação dos povos, indispensável para o desenvolvimento das pessoas, das organizações, das comunidades, dos povos e dos países.

Ao longo da história nós as mulheres temos aprendido que antes de mais é a nossa voz autónoma e organizada que consegue mudanças. Só assim podemos fazer alianças, procurar solidariedades, trabalhar conjuntamente com os partidos e outras organizações governamentais e não governamentais. Mulheres autónomas, organizações autónomas de mulheres em diálogo criativo com outras e outros. Nem crianças, nem marginais.
 


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